Sabe o que é isso, presença curiosa?
“A realidade nos chega pela escuta.” Eliane Brum
Gosto muito dessa ideia. É pela escuta que nos chega o mundo. Não o mundo como eu vejo. Não o mundo conforme eu o entendo. Mas o mundo como ele é e gira. O mundo pra fora dos domínios das minhas lentes, das minhas convicções e, até mesmo, do meu sentir.
Outro dia foi o aniversário de uma pessoa querida. Uma pessoa que não vejo sempre, que não conheço desde criança. Alguém que poucas vezes encontrei. Muito bem, o facebook me contou que era o dia do aniversário dela e eu me peguei sorrindo. Tive genuína vontade de desejar que ela fosse vista, ouvida, que tenha liberdade para ser e fazer. Que seja feliz. Imediatamente me pus a escrever em poucas linhas meus votos de aniversário e me dei conta de que o que me fazia gostar dela e desejar tudo isso a ela foi que via nela uma presença curiosa. E achei isso absolutamente encantador. Sabe o que é isso, presença curiosa? Ao pensar nela para escrever resgatei em minhas lembranças o que dela havia ficado. Pude perceber que, nos poucos momentos em que estivemos juntas, ela se mostrava frente aos outros como uma criança curiosa ao olhar para um brinquedo desconhecido ou um adulto ao abrir um novo livro, uma nova tecnologia. Ela se colocou diante das pessoas aberta para o que viesse deste encontro. Que forma bonita, corajosa e eficiente de se relacionar!
Desde então fiquei cá pensando quantas vezes fui uma presença curiosa ao estar com alguém. Penso que quando pequenos é mais ou menos assim que nos relacionamos com o mundo. Olhamos para um novo lugar ou objeto não sem pensamentos, mas sem estarmos repletos de ideias fechadas. Escutamos o outro querendo conhecer, nos abrindo a compreender.
É escutando o outro que somos tocados. Mas nem sempre escutamos. Somente ao silenciar minha voz interna por alguns instantes crio espaço e tempo para que as palavras do outro ressoem dentro de mim. E, se escutar for mesmo isso, talvez quase sempre não o façamos. O que percebo é que, muitas vezes, tendemos a conversar como se estivéssemos numa final de um torneio de tênis. Digo algo, fecho minha boca, o outro rebate, ele fecha a boca dele, eu rebato, fecho a minha boca. Piiiiiiii, encerrada a partida. Outro dia recomeçaremos uma nova partida, mas as regras, as jogadas serão provavelmente as mesmas. Não há espaço para criação conjunta. Não há tempo para algo novo. Como podemos argumentar, refletir, criticar, criar ou mesmo pensar no que o outro nos diz sem primeiro deixarmos o que vem dele entrar?
Mia Couto, escritor moçambicano por quem carrego quase um crush, diz que para que as luzes do outro sejam percebidas por mim devo por bem apagar as minhas, no sentido de me tornar disponível para o outro. Se é conversando que a gente se entende, se é trocando olhares, expressões, silêncios, pensamentos e opiniões que nos relacionamos, então precisamos aprender a criar vazios. Talvez estar realmente presente seja saber se colocar no encontro com espaço interno livre. Para que consigamos nos ouvir e nos ver, para que seja possível receber o que o outro é e tem para oferecer primeiro pode ser importante, talvez fundamental, aprender a esvaziar. E aprender a lidar com o desconforto que isso possa trazer.
Hoje percebo que foi isso que me fez gostar tão facilmente daquela moça. Aquela do aniversário. Não foi o tempo que convivemos. Não foi seu gosto por MPB. Nem mesmo sua habilidade com as palavras. O que me encantou nela foi o modo dela andar tranquilamente pela vida carregando vazios. Foi ter sempre sido por ela recebida com disponibilidade, curiosidade e um espaço aberto me convidando a ser o que sou.

Graduada em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica PUC/SP;
Aprimoramento em Saúde Coletiva pela Universidade Católica PUC/SP;
Certificada pelo Instituto Holos de Qualidade através da International Coach Federation como Coach e Mentoring;
Pós graduada em Motricidade Orofacial com Ênfase em Disfagias no Âmbito Hospitalar CEFAC/SP;
É Coach em comunicação e Fonoaudióloga clínica. Com atuação no desenvolvimento de pessoas para o aperfeiçoamento da competência comunicativa, aprimoramento da comunicação verbal, comunicação não verbal, escuta ativa, recursos vocais, comunicação não violenta e transformação de conflitos, desenvolvendo comunicação assertiva, autentica e compassiva para o relacionamento interpessoal e profissional.